I - E no final, o princípio

Eu sou apenas o que perde, o que sobrevive e continua tentando por não ter coragem sequer de desistir.


A noite desviou-me desse pensamento recorrente. É noite outra vez, embora mal tenha notado sua chegada. Assim como a noite surpreende-me, com igual surpresa percebo que mais uma vez estou fixando as nuvens ao longe enquanto penso e penso. Frequentemente pego-me nessa observação e é inevitável sentir minha alma regelar enquanto um grande desconforto sobrevém.

Como alguém consegue estragar tanto a própria vida sem o saber?

Nuvens tem o infortúnio de lembrar-me um longo tempo em que, de uma delas igualmente me pegava a observar este lado, não com frios e pavores, mas com esperança e vontade.

Não há. Ou melhor, existem. Mas são tantas e de tantas direções que é o mesmo que não existissem. Não servem de estímulo para tomar uma direção, uma resolução, um termo. 

Dou de ombros, é só mais uma noite linda e inútil. Milhões de pensamentos desfilarão em minha mente, velhos conhecidos, os mesmo de ontem e da semana passada. Os mesmos de sempre, antagonizando, afirmando, contradizendo, aconselhando, repreendendo, elogiando e deixando-me no final com uma certeza apenas: é tudo inconclusivo.

Já quase não sei há quanto tempo estou aqui olhando em torno, acima e abaixo, tentando identificar onde meus pés estão firmados. Quase posso vê-los pisando, mas não consigo sentir a pressão do solo sob as palmas, logo meus sentidos recusam a informação, o que serve apenas para confundir um pouco mais as coisas.

Olho novamente para ela, tão distante como estão as luzes. Baixo novamente os olhos, olho em volta reconhecendo que estou aqui realmente, e tudo começa a sumir aos poucos no exterior ao mesmo tempo em que outros cenários começam a aparecer em meio à névoa do dia e me perco de vez em antigos sonhos.

Saint Peter don´t you call me cause I can´t go,
I owe my soul to the company store....